Pique-pega, soltar pipa, carrinho de rolimã, queimada, jogar bete são brincadeiras que vêm perdendo cada vez mais espaço na rua, enquanto cresce a violência. Neste contexto, crianças e pais são desafiados a reinventar o brincar, explorando espaços, recuperando a coletividade e reencontrando a imaginação. Para as crianças que vivem no ambiente seguro dos condomínios, por exemplo, embora tenham uma experiência parcial, conseguem redescobrir o prazer de brincar. As considerações são do professor Marcos Teodorico, coordenador do Centro de Estudo sobre Ludicidade e Lazer da Universidade Federal do Ceará (CELULA-UFC). “Antigamente, a rua era uma extensão da vida, onde todo mundo conhecia todo mundo, aprendia, compartilhava, brigava, crescia. Mas este intenso ambiente formativo passou a ser perigoso, com espaços de convivência reduzidos, o que alterou as manifestações do brincar. Quando a cidade não é educadora, espaços privados, como o shopping center e o condomínio passam a cumprir esse papel”, disse Teodorico. Há quatro anos, um condomínio de casas no bairro Jardim Califórnia, na zona leste de Uberlândia, foi a opção que melhor atendeu à necessidade de Kátia Germana da Silva, atenta a liberdade que teriam os filhos Alana, de 10 anos, e Iago, de 8. “Quando nos mudamos de Rifaína (SP) para cá, moramos no Jardim Patrícia. Apesar de ser um ótimo bairro, durante um ano, as crianças brincavam quase só na garagem. Não tínhamos sossego em deixá-los na rua. Hoje, eles têm um grupo enorme de amigos, com quem brincam todos os dias depois da aula e das tarefas”, disse Kátia Silva. Para Alana, a vida no condomínio é mais feliz. “Temos liberdade, porque aqui é aberto, mas é fechado”, afirmou. A amiga Raíssa, de 11 anos, disse que o melhor do condomínio é a estrutura. “Tem piscina, quadras, parquinhos e inventamos várias brincadeiras”, afirmou Raíssa. A vizinha Rafaela, de 9 anos, disse que todas as meninas aprenderam a brincar de pular corda e elástico, jogar carimbada e bete. Tanto que Sara, de 8 anos, prefere brincar na rua do que de boneca em casa. “Quando morava fora daqui, nunca tinha nada para fazer, só brincava de boneca”, afirmou Sara. Para Iago, o condomínio trouxe novas aventuras. Há um mês, ele faz parte do grupo “Velocidade sobre rodas”, que reúne cerca de 15 crianças para brincadeiras de bicicleta, skate e patins. “A gente combina um ponto de encontro e vai todo mundo para lá”, afirmou Iago. O vizinho Mateus, de 10 anos, complementa. “Levamos coisas de comer e fazemos um piquenique antes de sair”, disse. O amigo Rui, de 11 anos, também participa do grupo . “Cada época a gente faz uma coisa, já brincamos de bete, de soltar pipa, agora estamos brincando sobre rodas”, disse. Importância O brincar media a relação da criança consigo mesmo, com o outro e com o meio em que vive, segundo o pesquisador e professor Marcos Teodorico. “O brincar é um instrumento de grande relevância na construção do indivíduo como ser humano – nos eixos afetivo, cognitivo, social e motriz. É uma necessidade no mundo de hoje, que pode nos ajudar a construir uma sociedade mais imaginativa, tolerante e justa”, disse Teodorico. Para Ana Paula Peris de Melo, a mobilidade foi o principal ganho dos filhos José Guilherme, de 11 anos, e Ana Vitória, de 3, depois que passaram a brincar nas ruas do condomínio onde moram há dois anos, no bairro Gávea, zona sul. “Meu mais velho é cadeirante e circula sozinho pelas ruas, brinca com as crianças e faz esportes”, disse Ana Paula. A vizinha Márcia Souza Lima observou o mesmo com os filhos João Lucas, de 10 anos, e Davi, de 3. “Ficaram muito independentes, chegam da escola e já vão brincar”, disse a mãe. “Conviver com pessoas diferentes, criar laços de amizade, desenvolver a sociabilidade, tudo isso tem sido importante para meus filhos. O mais novo, que sempre foi tímido, hoje está muito mais solto”, disse Kátia Germana da Silva, que mora em um condomínio no Jardim Califórnia. “Brincar é um exercício muito importante nessa idade, ensina a conviver, a dividir, a perder de vez em quando, além de tirar as crianças do videogame”, afirmou a vizinha Camila Silva. Família Não é apenas a violência das ruas que desafia as famílias a reinventarem o brincar. “A ludicidade depende menos de um espaço protegido do que das relações que as famílias constroem ali e fora dali. Não adianta ter espaço público qualificado se a família não convive com o espaço público. Não adianta ter 24h de tempo com os filhos, se os pais não estão disponíveis”, disse Marcos Teodorico. “Viemos para o condomínio há dois anos, justamente porque oferece espaço para as crianças brincarem. Mas, quando chegamos, elas ficavam sentadas no meio-fio. Não sabiam brincar”, disse Camila Silva, que se dispôs a ensinar os filhos Isabela, de 10 anos, Matheus, de 5, e as demais crianças do condomínio onde mora, no bairro Jardim Califórnia, os jogos e brincadeiras da sua infância, como bandeirinha estourada, queimada, soltar pipa, pular elástico e corda. Lisandra Ruas Alves Cunha se deparou com o mesmo desafio quando se mudou para um condomínio de casas no bairro Gávea, na zona sul de Uberlândia. “A rua de hoje não é a mesma de antigamente, mas o mundo também perdeu a imaginação, não basta estarmos protegidos. O brincar, construir, criar não são naturais como antes, temos que estimular as crianças o tempo todo, pois a tendência é irem para os eletrônicos”, disse a mãe de Felipe, de 11 anos, Lucas, de 7, e Aline, de 3. Fonte: SindicoNet
Brincadeiras de crianças ganham espaço nos condomínios
Brincadeiras de crianças ganham espaço nos condomínios